Uma paternidade presente é essencial para proporcionar um crescimento saudável. No entanto, em 2020, mais de 80 mil crianças foram registradas sem o nome do pai na certidão, segundo o levantamento da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC), divulgado no mesmo ano. Essa ausência, informa o site Stella Maris, impacta diretamente na educação e desenvolvimento social das crianças, já que os pais são os principais responsáveis por estabelecer conceitos de limite e disciplina.
O que é e quais são os riscos da ausência paterna?
Francisco Pedro, psicólogo da OSC Passos da Criança, fala da paternidade como um importante ponto de equilíbrio. A presença equilibrada entre pai e mãe é essencial para a educação e aprendizado. Para o psicólogo, a ausência paterna afeta diferentes pontos do desenvolvimento, dependendo da personalidade de cada criança. Alguns dos exemplos citados são a procura de uma figura de autoridade em outras pessoas, como um tio ou padrinho, além da sobrecarga de responsabilidade para as mães, que impactam no processo de respeito e educação.
Além da ausência, há também a negligência paterna, que é quando a figura masculina que representa a paternidade é fisicamente presente, mas não atende as necessidades físicas e psicológicas básicas da criança. A assistente social da Passos, Elisa de Araújo, alerta sobre essa situação: “É uma violência comum às crianças e adolescentes, que ocorre de forma silenciosa, velada e ainda pouco discutida”. E os riscos, apontam a profissional, são tão graves quanto a exposição a outros tipos de violência.
A paternidade dos educandos da Passos
Sobre a composição familiar dos educandos atendidos pela OSC, ambos os profissionais vêem as mães e avós bastante presentes na vida dos alunos, mas há pouca presença paterna.“Os pais talvez queiram fazer uma justificativa porque estão trabalhando, mas têm uma ausência muito grande dessa responsabilidade e da participação”, aponta Francisco. Mas nem todos os pais se mostram ausentes. O psicólogo se recorda de um pai que acompanhou a filha em um espetáculo musical em conjunto com a Passos, o Disney on Ice: “Foi muito marcante a presença dele, carregando ela no colo e vibrando com o espetáculo”, relembra.
Paternidade real e os pais da Passos
A paternidade envolve muitos desafios que precisam ser superados, sejam aqueles impostos pela sociedade ou aqueles que são comuns nas relações familiares. Na Passos, temos pais com diferentes vivências. Por isso, trouxemos um pouquinho sobre cada um deles.
“Precisamos estar dispostos a aprender com nossas crianças”
Alisson Santos, professor de musicalização, é pai de uma bebê de dois anos. A paternidade foi algo que ele conheceu apenas quando sua filha veio ao mundo. Criado pelo avô, que trabalhava doze horas por dia como motorista de ônibus, Alisson não teve referência paterna durante a infância e juventude.
Infelizmente, seu avô faleceu antes mesmo da sua adolescência. Essa ausência afetou sua vida, principalmente, no recebimento de afeto e conselhos. Agora, enquanto pai, Alisson enxerga a si mesmo como um suporte para a esposa e a filha. O músico também se preocupa com os desafios que a filha vai enfrentar ao longo da vida, sendo uma menina negra. Mesmo sendo um pai ainda jovem, Alisson reconhece o quanto uma sociedade machista e racista pode ser cruel. “Minha filha precisa crescer forte, tanto no sentido físico, quanto no psicológico e espiritual. Vão ter muitos desafios que ela vai precisar combater”.
Para ele, ela deve aprender a lutar, no sentido físico, psicológico e espiritual da palavra, para combater os desafios. Ainda assim, o músico quer guiá-la para que não perca o encanto e inocência que tem com o mundo, tentando fazer com que ela veja a beleza de um mundo que muitas vezes é hostil. Por fim, ele deixa como conselho: “Principalmente para os pais de meninas… Que estejam dispostos a aprender com elas. Mesmo sabendo que vamos ter nossos erros, nossas visões machistas… A gente tem que estar disposto a aprender com elas. Com as filhas, com as mães… E que a gente possa estar presente o máximo possível com as nossas crianças porque elas têm mais a nos ensinar do que a gente a ensinar a elas”.
“Ouvir mais as mães e ouvir mais as crianças”
Rudinei Nicola é coordenador socioeducativo da Passos e pai de uma menina de dez anos. Nos dias em que passa tempo com a filha, da qual tem a guarda compartilhada, ele a leva para a Passos e depois a acompanha até a escola. Essa rotina, no entanto, é relativamente nova e foi uma das adaptações que vieram com a pandemia. “A gente viu com o retorno das aulas que era possível eu fazer esse deslocamento com ela, que não precisava deixar ela em contraturno”, explica o coordenador. Desde então, os dois percorrem juntos quase vinte quilômetros de bike para se deslocar entre casa, trabalho e escola. Rudinei e a filha são companheiros de bike desde que ela tinha dois meses de vida.
Dos desafios que enfrenta na paternidade, o coordenador fala sobre a sociedade patriarcal e machista, o papel de orientá-la eticamente na relação com outras pessoas e também a questão tecnológica, de quais conteúdos digitais podem ou não ser liberados. Com relação ao machismo, Rudinei conversa não apenas com a filha, mas também com os educandos, tentando subverter os papéis de gênero impostos. O educador tenta mostrar, por exemplo, que homens também podem chorar, abraçar e expressar seus sentimentos sem ser “menos homem”. Sendo ele próprio um homem engajado com causas sociais, artístico e que não gosta de futebol, essas atitudes são muito importantes e necessárias.
Quanto ao pai, Rudinei se inspira muito nele, que é uma pessoa muito aberta apesar dos seus 80 anos. O educador não conviveu muito com o pai, pois saiu do interior do Paraná para ir para a capital do estado com apenas 14 anos, para garantir melhores oportunidades de trabalho, que o campo muitas vezes não oferecia. O pai do coordenador é seu exemplo em todas as áreas e mesmo com a distância eles mantêm contato por telefone e visitas ocasionais, em períodos de férias. Apesar da boa relação, Rudinei e o pai se arrependem de sua saída prematura de casa e por não terem convivido mais quando tiveram chance. O conselho do Rudi é simples e direto: “Ouvir mais as mães e ouvir mais as crianças”.
“Poder ter tempo de qualidade para brincar com os filhos é muito importante”
Francisco Santos é psicólogo da Passos da Criança e pai de duas mulheres, de vinte e um e dezenove anos, respectivamente. Ao lado da esposa, sua parceira há mais de duas décadas, ele passou pelos momentos alegres e difíceis na criação das duas filhas. Protetor, o psicólogo faz questão de estar presente na vida das filhas. Seja levando a filha mais nova para o cursinho ou assistindo um filme juntos. Francisco se preocupa bastante com a segurança das filhas, não apenas com a violência de forma geral, mas também com a violência contra a mulher. Por isso, ele confia nas filhas para ligar ou mandar mensagens quando estão fora de casa, sempre mantendo contato para saber se estão bem, onde estão e quando pretendem voltar. Segundo o próprio profissional, ele prefere pecar pelo cuidado do que ter uma surpresa desagradável no fim do dia.
Francisco conta que cresceu no interior e que perdeu o pai quando tinha entre dezesseis e dezessete anos. Sua mãe então o emancipou e a responsabilidade de ser o homem da família caiu sobre ele. O psicólogo sente muita falta do pai (e agora da mãe, recentemente falecida) e tem uma memória que ficou gravada: dele e da irmã correndo com as mãos juntas para pedir benção ao pai que voltava da roça. Era um momento significativo, explica Francisco, pois “esse ato do pai abençoar a gente, para nós, era muito importante. Porque se ele não abençoasse alguma coisa estava errada.” Hoje em dia, o psicólogo se vê, às vezes, reproduzindo algumas atitudes do pai, ecos dos momentos que passou com ele.
O conselho do Chico é que você valorize os momentos que passa com os filhos e pais, porque eles passam num piscar de olhos. E ele ainda complementa: “hoje eu não tenho meus pais e sinto muito a falta deles. Então essa coisa de poder abraçar os filhos, poder ter tempo de qualidade para brincar com os filhos é muito importante”.
“Ser o mais presente possível, ver o máximo de vezes que puder”
Diorlei é o professor de Percussão e pai de Sol Maria, que tem nove anos. Ela mora em outro estado, mas o amor não é menor por causa disso. O percussionista liga para a filha todos os dias e faz questão de sempre perguntar como ela está. Uma vez por mês ele viaja para lhe dar um abraço bem apertado e matar a saudade. Diorlei, além de pai, é um amigo ao qual Sol conta segredos. E por falar em sol, o nome escolhido para a filha tem uma razão muito significativa, ele conta que “o nome dela é Sol Maria, porque ela é o sol que ilumina minha vida”.
O pai do percussionista não esteve presente em sua vida. Diorlei conta que conseguiu informações suficientes para procurar por ele quando já era adulto, aos vinte e três anos. Quando chegou ao seu destino, uma cidade no interior do estado, o pai já havia falecido há três anos. A carta que escreveu para ele nunca foi vista e permanece guardada. Sendo uma pessoa que gosta de ficar rodeada pela família, Diorlei lamenta não ter conhecido o pai e não poder sempre estar ao lado da filha. Ele espera que a distância entre eles diminua em breve.
E seu conselho é: “Que os pais que vivem juntos com os filhos sempre dediquem um tempo para eles. Que façam alguma parada massa, perguntem da rotina e estejam realmente presentes. E quem tá longe, ser o mais presente possível, ver o máximo de vezes que puder. Quem está em outro estado, ligar todos os dias, para ver e conversar”.
Fontes
Modo Brincar – Rihappy
Vida Simples
Hoje Em Dia
Infoescola
Brasil Escola
Estadão
Blog Leiturinha
Stella Maris